Imbolc a renovação solar da Cultura Celta |
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Enviado em 30/07/2010 (5765 leituras) |
Fáilte, Imbolc! Dia 1o. de Agosto celebramos Imbolc, a festa do despertar da Terra, adormecida durante o inverno. Já repararam que a temperatura está diferente? Ou, ainda, que o ângulo de incidência dos raios solares torna tudo mais "iluminado"? Não? Sugiro, então, uma parada para contemplação disso... A Terra está se preparando, em Imbolc, para a chegada das flores e para o recomeço da polinização em Ostara, Primavera. O Sol está banindo a escuridão (escuridão sem a noção de trevas cristã), lançando novos projetos, novos planos, fecundidade. Daqui a pouco os ipês amarelos propiciarão um espetáculo à parte em Brasília... Momentos de plenitude! De felicidade! De gratidão ao que a Terra oferece... É o momento de traçar emocionalmente os planos de nossas almas, que estavam hibernando, em silêncio, durante o frio. Momento de festejar, comendo, bebendo (cevada, malte, grãos de fecundidade!) e, sobretudo, celebrando. A vida é uma celebração contínua! O séc. XXI traz o multiculturalismo como resultado de um processo de globalização que, a despeito de pretender unificar, fez eclodir a centelha da vivência múltipla de diferenças. Irlanda do Norte, do Sul, Estado Basco, Galiza, Cataluña, Balcãs, Oriente Médio, sikhs, bengalis, punjabs, Nigéria, Sudão. Viva a diferença! Tudo exala diversidade, assustando a mente arredia ao que é novo (nem tão novo assim), diverso e "perigoso" para a zona de conforto em que fomos adestrados nos processos de socialização escolar. Basta lembrar que o mapa múndi foi providencialmente "interpretado" de cima a baixo, para que o hemisfério norte fique acima do sul e, com isso, na diferença etnocêntrica, o colonialismo (espacial ou ideológico) possa encontrar seu gancho de atuação. Encontrar as raízes, portanto, é a máxima desse Milênio, diante de tamanha crise no que foi até então valor vigente como produto pasteurizado de um colonialismo para lá que decadente. Basta um passeio nos Estados Unidos - numa grande metrópole, como NY - para observar os sino-americanos, ítalo-americanos, latino-americanos. Qual a sua? Qual a sua raiz? De onde brota seu sangue? Já pensaram nisso? Enquanto isso, o puritanismo sabático na terra do tio Sam está com os dias contados pela pura e simples diluição cultural, trazendo à tona o colorido de culturas diferenciadas (que foram até queimadas por eles, né?). Há quem professe a encarnação coletiva do Império Romano (cujo símbolo é o mesmo do Tio Sam, uma águia) no povo estadunidense, para que, agora, possa aprender a conviver com o diferente sem pretender extirpá-lo... Andà, teorias à parte, o ser humano pós-moderno está desconfortável com sua busca interna de identidade. Não se vê em nada. Não se encaixa. Falta o solo providencial da identidade multicultural que está transformando o mundo uma imensa "aldeia", composta por vilarejos intercomunicantes, que gesticulam, às vezes lutam, para que, ao final, as massas compactas da imperialização sejam dissolvidas. Como parte integrante da cultura imanente de um povo, a expressão religiosa encontra-se, de igual maneira, pulverizada nas diferenças. No México, a busca da identidade sodomizada pelo europeu trouxe aos descendentes a necessidade de busca dos maias e da compreensão do Universo a partir do calendário pontual (exatamente esse que aponta para o fim do ciclo em 2012 e que está sendo confundido com o Armagedon cristão... por favor, nada a ver). Solstícios são celebrados, calendários lunares de ciclos de 21 dias passam a regrar o ciclos biológicos internos. Tudo se encaixa no desencaixe de uma matriz normogenética, que se enfacela em pleno ar! Nas tradições orientais, sempre a sabedoria antiga de saudação devocional aos ciclos internos e à conexão ao Todo. Muito a compartilhar e, nós, a humildemente aprender. Na tradição cristã... Nessa que eu quero chegar! Todo o calendário cristão está compilado em cima das festividades pré-cristãs ou proto-cristãs, que fazem parte dos ritos e das liturgias pagãs dizimadas pelo Império Romano nos ciclos de avanço para quase toda a Europa, Àfrica, Àsia etc. Depois da conversão em massa, Roma precisava de uma forte propaganda para sustentar a transposição do calendário lunar para o juliano. Não bastava o estupro das mulheres estrangeiras, ou o casamento multi-cultural forçado à guisa de abatimento tributário. Era necessário também dominar cultural e religiosamente cada pedaço de continente. Mas os povos conquistados não se rendiam facilmente e, cada vez mais, pessoas mantinham seus cultos à Natureza, ao mesmo tempo em que Roma, sob a batuta dos escritos paulinos, insistia em submeter a natureza como fonte de alimento para o homem pós-queda (do Paraíso). Lembram disso? Antes do fruto da árvore, homem e Natureza mantinham a comunhão, mas, depois, Deus "condenou" o homem a "reinar sobre a Natureza" e tirar dela, com suor e lavor, o fruto para sua mantença. Andà! Descobrimos o subjugo de Gaia! Pois bem, como convencer os pagãos que semeavam na Lua Nova e vertiam mel e leite sobre as sementes, entoando cânticos à Grande deusa, que, doravante, isso seria errado? Simples. Chamando a Deusa de Lilith, taxando-a de "prostitutua de Satã", transformando Cernunnos (o deus da fecundidade com chifres - que nada mais são, para quem estuda Física, eixos de poder, poder de pontas) em Lúcifer e, somando a esse profuso caldeirão (ops, caldeirão é coisa de bruxa) a transposição de datas dos sabbats e esbats pagãos em datas "cristãs", de modo a higienizá-las. Mas as tradições herméticas se mantiveram, ao final, no espaço privado dos lares, nas reuniões secretas em volta dos caldeirões repletos de desejos, alimentos e sonhos, sob a chama (para quem leu Colanges - A cidade antiga) do fogo sagrado dos ancestrais... Eis aí o grande papel dos "bruxos" e das "bruxas" queimados todos em vários momentos da história. Manter impoluto o conhecimento ancestral sobre essa realidade, para transmitir às gerações vindouras o relato de tudo que extra-oficialmente aconteceu no mundo. Hey, ho! Então? Ah, então o culto a Eostre (uma deusa terrena cujo animal totem é um coelho) virou Easter (Páscoa). No sistema de translação-rotação, dia e noite e dia são iguais (mas não percebemos isso porque não olhamos ou sentimos mais os ciclos, preferindo o tic-tac do relógio ao tic-tac do coração conectado aos segredos da Terra). É a época (hemisfério norte) em que Sol aumenta em poder (em face da angulação) e a terra começa a florescer (fecunda como o ... coelhinho). Assim como o Yule (nascimento do deus a partir da deusa-mãe-esposa) coincidiu com o Solstício de inverno no hemisfério norte (por volta de 21 de dezembro, sendo "puxado" providencialmente para o dia 25... por que será?). Sem deixar de mencionar o Dia de Todos os Mortos, aqui sendo celebrado e confundido, às vezes, com Finados, que marca Samhaim na cultura celta (no hemisfério norte - nossa, tudo gira em torno do Norte, né?), no dia 31 de outubro, data em que o véu entre os mundos é tênue e o contato, lúdico contato, é propiciado por uma egrégora de energia incomum. Carnaval? Ah, festa solar, afinal, o Sol sempre esteve relacionado à fecundidade. Imbolc na tradição da roda de lá... festas solares, vinho, álcool, festa! Na versão cristianizada, a procissão de Candlemas (outro nome) honra a Virgem Maria. No México corresponde ao Ano Novo Asteca. Nossa! Poderia ficar aqui escrevendo o dia inteiro que não esgotaria os argumentos para apontar a sangria cultural provocada pelos Concílios romano-cristãos que tentaram aniquilar culturas, dentre as quais, a celta, rica em termos de conexão, cientificidade e catalogação dos fluxos da Natureza, datando de um período correspondente a (10.000 a 4.000 a.C.) como foco de expressão matrifocal. Por favor, não pensem, a essa altura, que estou fazendo um tratado de 'feminismo' embrionário. Estou até a tampa de tanta abobrinha que tenho escutado (não raro, calada) sobre -ismos, -istas, em todos os níveis, de todos os lados, em todos os ativismos. Como insistimos (eu também, claro) na ignorância! Não é essa a questão! Estou mencionado algo muito complicado para nós, no século XXI, que é a superação da dualidade que coloca homens e mulheres em guerra. Nas religiões matrifocais, os complementos eram venerados com patamar de igualdade. Mas isso é incompreensível porque aí vão 10.000 anos de propaganda, moldando nossa memória o bastante para ficarmos naquela de "homens são de Marte, mulheres são de Vênus". Sobretudo, estou apresentando, em doses não tão homeopáticas assim, a dimensão secreta do conhecimento que ficou guardado em minha família há gerações. Penso que o momento de compartilhar seja agora mesmo, afinal, já me perguntaram o que minhas tatuagens significam, porque minha mãe tem um pentagrama tatuado, porque lá em casa (quando morava com ela), providencialmente as festas eram regadas a muita comida nos dias de equinócios e solstícios. Por que "sou isso, aquilo e aquilo outro"? Enfim, os porquês. Afinal, são os porquês que nos comandam, ainda... Porque somos muito mais bárbaros do que romanos, simples. Por que? Os celtas são originários da etnia indo-européia e ocuparam a Europa Central e Ocidental, entre V e VI a.C., em regiões que hoje vão desde a Espanha, passando pela Turquia, Irlanda, França e Alemanha, apresentando uma diversidade muito grande de ramos, o que dificultou a união política e facilitou sua conquista pelo Império Romano. Falar em "cultura celta" pode ser um reducionismo perigoso, já que não existe apenas um tronco étnico que se possa unificar culturalmente. Esse é o segredo que une famílias na Galiza, Cataluña a, por exemplo, irlandeses, russos, italianos do sul. Um panteão pulverizado de práticas (Stregheria, por exemplo, na Itália). Muito organizados, os "cabeças-quentes" desenvolveram a cultura agropastoril, destacando bastante a ourivesaria e os trabalhos em cobre, ferro, ouro, que reproduziam nos adereços a importância da Trindade para o povo celta: triskles ou triskeles, espirais solares que surgem de um ponto comum, de onde partem os três braços que suavemente se espiralam, cada qual, em torno de si. Quem já viu "A Rainha da Era do Bronze", "Asterix" e outras pérolas, já observou a trindade. Os três braços são o ciclo eterno de suceder das estações, ou, ainda, as faces da Deusa (donzela, mãe e anciã), as fases mais perceptíveis da Lua (crescente, cheia e minguante) ou, ainda, a tríade corpo, mente e espírito. Contudo, são meros aspectos simbólicos, relacionados a correspondências com as marcas anacrônicas de nosso tempo (ou seja, não deixam de ser representações resgatadas pelo neo-paganismo da modernidade). O mais importante, porém, não é compreender o simbolismo de tais fases ou suas correspondências, mas saber que a espiralização reflete um continuum temporal, dentro do qual não cabe espaço para a bruta separação que a mente analítica faz em relação a processos. Eis a diferença... Os celtas não faziam correspondências ou representações: o triskle ERA o ciclo em si, e não o que significava. Isso é muito complexo para nossa sucateada mente-analítica-que-mente-e-nem-sente, porque, muitas vezes, insistimos nas representações e não as experienciações da vida celebrada em magia. Esse é o pulo-do-gato na bruxaria: inserir-se no mundo dos Deuses, Deusas e Natureza e vivenciá-lo, não apenas tentando encontrar significados e simbolismos, porque isso é racional, e não intuitivo! Qual o sentido de jogar "um punhado de alecrim num caldeirão"? Para os celtas, a vida era fluxo perpétuo de vida-morte-vida e, como tal, não poderia ser entendida, sentida ou experiencida como etapas estanques (e, para nós, cronológicas): horas, minutos, segundos, dias, meses e anos, tomados, um a um, retiram a compreensão poética de infinito! O triskle está presente em tudo: é o TODO. Os ciclos, as lunações, os corpos, o humano. Na mitologia celta, um detalhe interessante: o três está represente nas peregrinações, como um caminho que marca a ida, o rito de passagem e o retorno. Em nossas vidas? Ciclos que se renovam mas que ficaram imperceptíveis porque não usamos mais a mente primitiva (onde está gravada a memória), optando pelo conforto da analítica que segrega e discrimina, quase sempre desejando exterminar o que é diferente. Os símbolos realizam essa ponte ao mundo mágico do inconsciente, ao revelar, em certo sentido poético, a beleza misteriosa do que está encoberto pela névoa da superficialidade com que insistimos em olhar o mundo ao redor, sem nos conectar a ele. Para Jung[1], a simbologia desperta centelhas inconscientes, reaquecendo referências gravadas em nossas memórias, soterrada pela racionalidade ao longo do tempo[2]. Segundo Greenwood, o “contato com aquilo que ele (Jung) designava por ‘inconsciente coletivo’ – simbolizado pelos deuses – levava ao acesso à sabedoria e à experiência humana universal” (1999, p. 182), a partir da busca a um passado ancestral, marcado pelo mergulho na profundidade daquilo que está entranhado nos aspectos mais profundos da mente. Gatilho para o mundo do inconsciente... Bom, se vocês sobreviveram até aqui, esse e-mail é apenas para desejar a todo mundo um excelente Imbolc, com renovação de ciclos! Para quem desejar, basta escrever num papelzinho o que imanta para si e me entregar, pois no sábado irei fazer a tradicional "queima dos pedidos", regada, claro, a muita comida gostosa e o néctar dos bárbaros, pão líquido! Hey ho... Sláinte! Por Audrey Donelle Errin Pesquisadora do Sagrado Feminino, dentro do foco celtíbero. Citação: "Conectada aos mistérios da ancestralidade da terra." Sagrados Segredos da Terra www.sagradosegredosdaterra.blogspot.com.br Para ler os artigos de Audrey Donelle Errin, clique aqui. [1] Aliás, uma referência de perda de conexão entre o homem e a natureza é expressa pelo próprio Jung, ao mencionar que “acabou-se o seu contato com a natureza, e com ele foi-se também a profunda energia emocional que esta conexão simbólica alimentava”. (1977, p. 95). Essa perda da ligação essencial poderia ser atribuída, em escala de proporcionalidade, ao incremento da racionalidade derivada de um sentido meramente científico, destinado a demonstrações irrefutáveis e absolutas, num Universo que, irônica e surpreendentemente, não se submete ao alvedrio humano, constituindo um vasto manancial de descobertas. [2] Uma referência sobre a importância dos trabalhos de Jung no campo mágico é feita por Susan Greenwood, no Manual enciclopédico de magia e feitiçaria (Lisboa, Editoria Estampa, 1999). |
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