Arthur, o Surgimento de um Mito

Enviado em 07/12/2009 (10338 leituras)

O primeiro registro escrito que se tem conhecimento sobre o Arthur surge por volta do ano 826 pelas mãos de Nennius em seu livro ´´Historia Britonum´´ / História dos Bretões onde ele lista algo por volta de mais 500 anos de guerras, coroações e outros eventos. Ocorre que Arthur é citado como um 'dux bellorum' / comandante militar que juntamente com os reis da Bretanha lutou contra os saxões, antigo povo da Germânia, como pode ser lido no texto a seguir:

´´Então Artur, juntamente com os reis da Bretanha, lutou contra eles (os saxões) naqueles dias, mas Artur mesmo era um comandante militar [dux bellorum]. Sua primeira batalha foi na foz do rio que é chamado Glein. Sua segunda, terceira, quarta e quinta batalhas foram acima de um rio chamado Douglas e [que] está na região de Linnuis. A sexta batalha foi às margens do rio chamado Bassas. A sétima batalha foi na floresta de Celidon, que é Cat Coit Celidon. A oitava batalha foi na fortaleza de Guinnion.

A nona batalha foi travada às margens da Cidade das Legiões. A décima batalha foi travada às margens do rio Tribuit. A décima primeira batalha foi realizada na montanha Agnet. A décima segunda batalha foi no Monte Badon, no qual caíram em um dia novecentos e sessenta homens de uma investida de Artur e ninguém os golpeou, exceto o próprio Artur, e em todas as batalhas ele saiu como vencedor. E enquanto eles [os saxões] eram derrotados em todas as batalhas, estavam buscando ajuda da Germânia e seus número era aumentado muitas vezes sem interrupção. E eles trouxeram reis da Germânia que poderiam reinar sobre eles na Bretanha até o tempo em que Ida, o filho de Eobba reinou. Ele foi o primeiro rei na Bernícia, em Berneich.´´

Nada de Excalibur, Távola Redonda, Morgana, Avalon, Camelot e tudo mais que é visto como parte corriqueira do enredo das lendas arthurianas nem é de perto comentado por Nennius. Nem mesmo Arthur é mencionado com um dos reis da Bretanha quanto mais citá-lo como sendo regente único de toda Bretanha.

Na mesma linha seguem outras fontes de épocas próximas ao ´´Historia Britonum´´ / História dos Bretões tais como De Excidio Brittonum / A Ruína da Bretanha de autoria de Gildas , Annales Cambriae (Anais de Gales) um documento apócrifico reunido por monges, de galeses e Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum (História Eclesiástica dos Ingleses) do Venerável Beda.

Muito tempo depois é que Geoffrey of Monmouth (1100 - 1155) elabora em detalhes toda esta mística ao redor de Arthur a partir de três livros , a saber ´´Prophetiae Merlini´´ (Profecias de Merlin), ´´Historia Regum Britanniae´´ (Histórias dos Reis da Britania) e ´´Vita Merlini´´ (Vida de Merlin).

Através de Geoffrey é que vemos a saga de Arthur desde seu nascimento em Tintagel na Cornualha até virar um rei após sacar a lendária Excalibur da Pedra do Destino e dali se tornar responsável pela proeza de comandar a todos bretões desde da mítica Camelot para todo o país para dar combate aos saxões até encontrar seu descanso eterno na não menos fantástica Avalon.

É bem verdade que nas lendas arthurianas podemos ver também algumas semelhanças entre o personagem Arthur e seus Cavalheiros da Távola Redonda com Finn e os Finianos do Ramo Vermelho de Ulster ou até indo mais além podemos constatar que existem bastantes pontos coincidentes entre as sagas heróicas arthurianas com as aventuras narradas no Mabinogion a respeito dos feitos de Gwydion, porém, não há como falar em mero "plágio" de Geoffrey e sim em uma incorporação magnífica de mitos trazidos para abrilhantar ainda mais a narrativa acerca da vida de Arthur e aumentar sua compreensão pelo povo por associação a outras lendas. Algo que também foi feito em certa medida por Nennius, Gildas e todos os demais.

Para entender o significado que representa a figura de Arthur como personagem lendário compreender a época em que o mesmo surge como personagem real histórico, ou seja, falamos da Bretanha do Século VI, já finalmente, livre do domínio romano e estava de volta ameaçado por seus vizinhos pouco amigáveis que estão com gana de saquear os bretões ou se muito transformá-los em escravos.

Do mesmo modo o colapso da autoridade romana nas terras da Bretanha fazia que reinasse o caos, havendo em toda parte perturbações a ordem pública, grupos de saqueadores, brigas entre tribos e etc. – Em outras palavras eram tempos sombrios para se viver, tal como descreveu tão bem Gildas.

Deste contexto surge Arthur, obtendo certas vitórias militares significativas e lutando heroicamente em batalhas memoráveis, crescendo gradativamente em sua liderança como símbolo de unidade nacional em uma Bretanha imersa na turbulência e inspirando a todos os bretões a terem esperança quanto ao seu futuro.

De pano de fundo é de se observar que neste tempo na Bretanha restava muito pouco das antigas tradições celtas e no lugar os bretões estavam mais acostumados ao modo de pensar e agir dos romanos, o que significava dizer também estar em contato com o cristianismo que vinha pregando um estilo de vida bem diferente daquele adotado pelos antepassados dos bretões.

Como pode se intuir havia presente muitos fatores de descaracterização cultural que propiciaram a formação de um povo que não mais se via como celta só que também não se identificava como romano, o que se revelou fundamental para construírem um universo mítico próprio e totalmente inovador de onde surgem lendas tão essencialmente "bretãs" para quem se demonstrava ser arquetípico desta imagem como era o caso de Arthur que surge embrionariamente em favor da construção de uma identidade nacional bem mais adiante.

Observem que Arthur ao lutar não ia como um "Rei de armadura reluzente em um cavalo branco" tal como é um personagem de contos de fadas, pelo contário de fato ele se porta mais com um centurião romano do que um guerreiro celta típico já que vai muito bem armado ao campo de batalha, sendo acima de tudo meticuloso na estratégia e preciso na tática militar tal como seria de esperar em atitude de um soldado profissional do que em um mero aventureiro.

Aliás, o posto que Arthur possuía era herdado diretamente das tradições militares romanas, a saber, era o "Comes Britanniae". Nesta condição ele representava ser a autoridade militar máxima entre os bretões e o principal responsável pelo comando de uma espécie de milícia itinerante que defendia à Bretanha de invasões bem como sob seu mando estavam as pessoas que faziam as vezes de seus oficiais em posição hierarquicamente inferior que também detinham o controle de um contingente de tropas. Principalmente, vigiando o litoral e a famosa "Muralha de Adriano", para prevenir invasões não só de estrangeiros de além-mar como de seus vizinhos do norte.

Entretanto, por mais que fosse o "Comes Britanniae", Arthur um brilhante gênio militar e hábil guerreiro ele não foi capaz de impedir da Bretanha ser de vez invadida e derrotada, porém, restou a lenda e o mito para iluminar e inspirar as futuras gerações.

Por Ioldanach
Ioldanach se define como auto-didata e celtista amador que tem como linha de pesquisa tratar o assunto de maneira objetiva e da forma mais científica possível.

Citação:
"Sou um celtista aficionado a cultura celta."
Canal Celta
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