As Facetas de um Druida |
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Enviado em 20/02/2012 (3388 leituras) |
Quem nunca, dentro do druidismo ou outras vertentes pagãs, tentou ao menos imaginar como era um druida? Quando eu pergunto a você, como visualiza na sua tela mental um druida, como o vê? Não direi com certeza, pois não existe uma resposta plausível para essas perguntas. Normalmente, as pessoas das mais diversas origens e crenças, quando pensam em um druida, tem uma imagem clara e confusa para definir o arúspice celta. Fique calmo! Você não é o único que imagina um velho de barbas longas, brancas, com uma túnica branco-opaca, uma foice de ouro, uma sandália de couro, alguns amuletos, sabe-se lá, uma guirlanda na cabeça. Quem sabe você tem uma discrição mais rica que a minha. Entretanto, uma maioria maciça ainda pensa o druida dessa forma, e logo depois, lhe vem uma imagem confusa. É o momento que a mente é contestada: Será mesmo que o ancestral druida era assim? As faces de um druida são diversificadas. Principalmente, porque se há pouco sobre o que portavam, vestiam, ritualizavam, gesticulavam e mesmo de como pensavam os ancestrais espirituais. O druidismo pode ser uma religião de berço pré-histórico, sendo que não existe momento certo para uma possível “fundação” da religião, num recorte histórico. Pensemos num “druida pré-histórico” (que nem mesmo sei se podemos chamá-lo assim), como seria sua fisionomia? Por favor, tentemos não nos apegar a imagens sensacionalistas da mídia comum. Em primeiro virá em nossa tela mental um ser humano. Um ser indo-europeu, adentrando em uma Europa de mais de 80% de floresta densa, possuindo as mais diversas espécies de árvores e animais. Um lugar novo. Ali, começaram a abrir clareiras, construir as civilizações e iniciaram uma longa marcha ao oeste. Ele devia vestir alguma roupa feita de linho ou outro material comum ao lugar onde vivia. Peles de animais, como lobos, ursos, e até mesmo penas de aves, deveriam lhe cobrir o corpo, afinal era um continente frio. Ossos e madeira deveriam ser comumente usados como amuletos. Por ser o “conhecedor”, deveria explorar o local, observar o crescimento das plantas, lidar com as propriedades das ervas, saber os venenos de cobras e insetos peçonhentos, identificar sons de diversos animais, fazer parte do conselho tribal, entre outras funções. O impacto gerado entre o homem, vindo das estepes asiáticas, com uma floresta densa, jamais tocada, deve ter causado um deslumbramento imenso, além do sacrifício em explorar o lugar. Uma das árvores se destacou, por alguns motivos (altura, folhagens, seiva, raízes, etc...). Foi o carvalho. Cavernas, minas, bosques, construções, geoglifos, clareiras, rios, montanhas e outros locais passaram a ser lugares de culto. Com o desenvolvimento das civilizações indo-européias, sua cultura distinta, linguagens e sentimentos, surgiram povos diversos, como celtas, escandinavos, etruscos, gregos, ibéricos, bretões, itálicos, entre outros. Mas alguns aspectos permaneceram comuns a esses povos, da família Indo-Européia. Entre eles, estão a proximidade das linguagens clássicas e o culto ao carvalho. Por muito tempo, as tribos e populações foram se distinguindo. Ocorreu o mesmo com o druidismo, que ainda não era o que Júlio César e Plínio teriam visto, em suma, o “druida pré-clássico” (se assim, novamente, podemos chamar). Era um "druidismo" local. Nunca foi unificado, assim como os celtas. Formaram-se as culturas ibéricas, bretãs, gaulesas, germânicas, entre outras. O druidismo para cada região européia celta era diferente. Nada mais natural, pois havia cultos a animais, que não existiam em certos locais do mesmo continente, por exemplo. A própria mitologia celta não é una, tendo muitos deuses de “características próximas”, mas não sendo os mesmos. A essência do druidismo continuou consubstancial, ou seja, o culto as árvores, animais, espíritos locais, deuses, entre outros. Certamente, cada tribo desenvolveu uma cultura rica e próspera para aquela região. Prova de que os druidas permaneceram unificados numa essência ritual é que em textos clássicos se fala de “reuniões” ou “convenções” druídicas em bosques e locais diversos. Neste período de transição entre várias culturas druídicas e tribos celtas pela Europa, temos outra imagem do druida. Um ser humano comum, que veste alguma roupa mais avantajada, que lhe distingue. Não posso citar uma cor, mas posso dizer que poderia ser linho. Com certeza, ainda usava peles de animais, portava amuletos de ossos e madeira, porém já obtinha o ferro, em forma de facas, foices, espadas, caldeirões. Deveria passar seus segredos a certos “escolhidos”, a homens e mulheres que se distinguiam na tribo, ou somente a sua própria linhagem, ou talvez das duas maneiras, pois lembremos que havia diversas etnias e culturas. Poderia usar algum calçado, tatuagens pelo corpo, ter barba ou não, usar túnica ou uma calça xadrez (típica da cultura celta) e poderia possuir um cajado, clava, bengala, bastão ou algo parecido. Certamente, deveria saber bem mais que o “druida pré-histórico”, em medicina, mitos, conselhos, criado jogos de divinação diversos, possuir rituais mais ligados a um calendário agrícola, do que cultos característicos de populações nômades contornando um novo continente. Não que fossem mais sábios, contudo deveriam ter um acúmulo de conhecimento maior. Logo após essa visualização do druida pré-clássico, vamos ao famoso druida descrito por historiadores clássicos. Se podemos chamá-lo de “druida clássico” eu não sei, porém é o que é usufruído. Júlio César nos descreve em sua obra um druida curioso, que povoa o nosso mundo mental. Um homem ou mulher, vestidos de branco-opaco, com suas foices de ouro, que em um ritual, subiam nos carvalhos e colhiam com a mesma foice o visco virgem e colocavam com muito cuidado em um tecido também branco. Estrabão, assim como Júlio César, diz que os druidas eram privados do trabalho em exércitos, mas a guerra tinha significado religioso para eles. Descreve-se o ritual em que os druidas passavam bois entre a fogueira, para abençoar, além de cultos a sacrifícios, como o “boneco de palha”. Plínio, o Velho, dá nome aos bois (se tenho permissão para usar esse trocadilho), dando um significado da palavra druida, que seria “Sábio do Carvalho”, usado até hoje para descrever os sacerdotes celtas. Porém, não sabemos ao certo como eram na realidade chamados os “druidas”, em linguagem celta. Conhecemos também a história dos bardos e vates e que eles tinham posição diferente de um druida. Ou será que todos eram druidas? Ou será que os nomes variavam de aldeia para aldeia? Ou será que estamos todos errados, crentes fanáticos no que os tagarelas gregos e inimigos romanos disseram sobre os ancestrais? Possivelmente, poderiam ser chamados de “duirweid”. A raiz indo-européia Weid - tem como possíveis significados sábio, vidente, espírito, alma, essência, idéia e aspecto, enquanto que a raiz Duir - tem ligação com a espécie dos carvalhos, tendo dado origem a palavra inglesa “door” (em tradução, porta). Seres humanos vestidos de branco-opaco, com foices, cajados, amuletos, jogos de divinação, alguma barba, ou não. Rituais diversificados, em datas específicas do ano solar e agrícola. Conhecedores de tudo no mundo celta, médicos, poetas, políticos, juízes, sacerdotes, conselheiros, videntes... Dedicavam duas décadas de sua vida para estudar, até chegar ao posto de druida, ordenado por um arquidruida regente do bosque, eleito por uma comunidade clerical. Homens e mulheres muito sábios, distintos, presunçosos e um tanto fechados como uma facção, horda, clã ou casta. Esse é uma possível imagem de um druida clássico. Entretanto, o druida clássico, daqui para frente, irá mudar muito. O Império Romano já tinha lhe dado um grito final, com as perseguições, porém ainda sobrevivia em pequenas comunidades. Ao fim do mundo clássico, o druidismo já estava quase dizimado. Entretanto, os “novos druidas” estavam adentrando a Europa e convertendo as populações. Era o estandarte de outra ordem, o cristianismo. Com a nova crença, a velha teve de adormecer, e isso causou grande impacto na imagem do ancião de branco, portando uma foice de ouro. Estamos partindo para o “druida medieval”. Descrito pelos cristãos, fundamentados na idéia romana, eram homens selvagens, orgulhosos, sanguinários, revoltosos e rancorosos. Possuíam uma sabedoria antiga, passada pela cultura oral, que foi sendo substituída pela rica escrita dos monges cristãos. As religiões se mesclaram, criando o chamado cristianismo celta. Deuses santificados, cultos aos lobos travestidos de cordeiro, povos encantados transformados em demônios. O velho druida estava dormente. Agora os “novos druidas” eram homens santos, monges e bispos. Como tudo no medievo, a representação do druida era dual, ou seja, ora um santo, ora um espírito malévolo. Os túmulos megalíticos deram o material para construírem-se novas assembléias, as igrejas. Os bosques foram cortados e a madeira virou uma cruz. São Patrício e Santa Brígida eram os novos sábios do carvalho. A magia e liberdade suprimidas, a oração e o pecado valorizados. Santos expulsando cobras (pagãos), monges fazendo suas orações em latim, com seus cajados e roupas clericais, esse é o semblante do druida medieval. Possivelmente, o espectro de Merlin e Viviane lhe passou pela tela mental. Entretanto, é importante percebermos como esses personagens foram convertidos a imagem do monge cristão medieval. Roupas clericais e esplendorosas, homens e mulheres poderosos, praticantes de uma arte tão secreta que era escondida em uma ilha longínqua. Houve o esquecimento do druida clássico dito pelos historiadores greco-romanos. Merlin e Viviane, se existiram, representam o fim do paganismo celta clássico, pressionados por cristãos e saxões. E se, realmente, existiram, foram muito diferentes do que se retrata na literatura e no cinema. O druidismo adormeceu por muitos séculos. Somente algumas tradições locais perduraram e outras, foram engolidas pelo cristianismo. O que restou instigou muitos estudiosos no fim do período moderno e início do contemporâneo. Arqueólogos, historiadores, sociólogos, esotéricos, estudiosos de mitologia, entre outros, se depararam com uma rica descrição e descoberta de artefatos pela Europa. Aqui surge o que denominaríamos de um “druida abrâamico”. Sim, não é piada. Os druidas foram ditos como descendentes de Abraão, Moises, Jesus e outros personagens bíblicos. Nada mais natural para o século XVIII. Esoterismo crescendo e a crise religiosa cristã causou uma mudança de rumo na representação mental não só do druida, mas de toda complexa religiosidade européia. Surgiu um ser humano, somente do sexo masculino, pai, muito sábio, com uma barba longa (nem que fosse postiça), vestido de branco, com cajado com uma foice na ponta, sandália ou bota, um cinturão, algum medalhão ou avental que representava algum título dentro da ordem. Se você encontrou semelhança da vestimenta da maçonaria, fique tranqüilo, o druidismo ressurgiu dentro dessa ordem também. A imagem comumente vista para um druida deste período, pós 1717, era que eles eram descendentes distantes de Abraão, construtores do Stonehenge, seu único e poderoso templo sagrado (Glastombury se tornou uma Jerusalém), monoteístas, herdeiros de uma cultura judaico-cristã, precursores do cristianismo na Europa. Lembre-se do “druida medieval” e observe como ele influenciou esse momento. Como já disse em outros textos, eu não sou nenhum especialista, e sim um curioso. Além de sempre estarem se questionando e criando ordens, tradições e visões novas, vejamos nós que no século XX, os druidas tomaram outro rumo imagético. Os movimentos Hippie, New Age, Rock, Punk, Folk, entre outros, tomaram o mundo druídico. Os filmes e livros contribuíram para um novo rosto. Os movimentos sociais, de minoria, feministas, ambientais, as discussões acadêmicas, passaram a ter relevância dentro do druidismo. A contestação dentro da religião druida deu oportunidade de nascer outra crença, como a wicca. O druidismo foi se transformando, criando a imagem do “druida moderno”. E observemos que a imagem de hoje é um acúmulo de todas as outras que já existiram. Um ser humano, vestido de muitas cores, que se diz de muitas tradições, que ainda se questiona (perdendo tempo) quem está certo ou errado, usando muitos amuletos, inclusive fora da cultura celta, respeitando muitas culturas, sendo todos nós influenciados por muitas outras retóricas, provindas de outras pessoas “não-druidas”, vivendo em um mundo totalmente diferente do pré-histórico, clássico, medieval ou moderno. São sacerdotes, médicos, professores, videntes, juízes, filósofos, engenheiros, matemáticos, historiadores, arqueólogos, empresários, secretários, químicos industriais, biólogos, sociólogos, metalúrgicos, eletricistas, escritores, estudantes de muitas áreas, entre outros. São homens e mulheres que estão lutando por causas diversas, porque acreditam que assim vão mudar o mundo e o que eles são. São pessoas comuns, que jogam de xadrez a futebol, que discutem muitos assuntos, que sentem fome, sede, dor, prazer, que sorriem, choram, acertam, erram, vivem, morrem. E sim, tem uma rotina como de qualquer outra pessoa. Como posso afirmar isso? É fácil de concluir, pois quando eu fiz a pergunta no início desse texto, “Você já tentou visualizar um druida?”, a desordem de idéia é muito grande. Uma hora o druida é selvagem, outra ele é sábio, outra ele é um mago e em outra é um santo ou profeta. Não existe uma imagem plausível de quem é esse druida que vive em nossas mentes. Ele somente foi criado por nós. O que existe são os druidas, aqui, hoje, agora. A imagem e representação que queremos para os druidas será delimitada por nós, os druidas descendentes e herdeiros de toda a carga imagética e representativa dos druidas de outrora. A próxima ilustração de um druida virá das mãos de uma criança. É preciso que os druidas do hoje saibam da seriedade que estão passando para as gerações futuras, para que os próximos jovens druidas tenham imaginação. Não seremos e nem voltaremos a viver e ser o princípio e essência de que nossos ancestrais desfrutaram. Somos diferentes deles, temos outros aspectos ao nosso redor, vivemos em uma sociedade pós-moderna e por isso somos druidas. Somos selvagens, xamãs, sábios, santos, ordenados, hippies, eco-espiritualistas. Não obstante, eu não hesitei uma só vez em dizer: “somos um ser humano”. Eis a essência que deu vida e fez sobreviver o Druidismo até os dias atuais. /|\ Awen Hugo Llewellyn Maw Druida moderno, professor, historiador, escritor, palestrante, focalizador, militante, artesão e dedica-se ao estudo da história, mitologia, cultura e religiosidade, com ênfase aos povos celtas e tradicionais. ![]() Citação: "Nós somos a totalidade nove vezes." Nawfed Pwer www.novepoderes.blogspot.com ![]() Para ler os artigos de Hugo Llewellyn Mawr, clique aqui. |
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